Monday, September 1, 2008

fé e conhecimento

tava aqui tentando mexer um pouquito na tese (sem muitas ambições visto que estou longe dos livros e artigos que estou usando pra revisão bibliográfica) e lembrei deste trecho do joão ubaldo que eu adoro. aliás, este livro todo é uma delícia.

"…Mas ela percebeu isso e lhe explicou, com a voz paciente e monótona, que, ao contrário do que se pensa, a magia não é feita de fora, mas de dentro. Por isso é que se fala tanto na necessidade de ter fé para que as coisas acontecam, pois a fé, afinal, não passa de uma maneira de ver o mundo que torna possíveis aquelas coisas que se deseja que aconteçam. A fé, portanto, é um conhecimento, conhecimento que ele não tinha e ninguém lhe poderia dar, só ele mesmo, embora pudesse ser ajudado. Estava disposta a ajudá-lo, se ele quisesse e desde que compreendesse que o mundo pode ser visto de muitas formas. Ele certamente sabia que as pessoas que tem excessiva certeza de que há um só caminho e uma só verdade, verdade que lhes é inteiramente conhecida, são perigosas e propensas a todo tipo de crime. Saber da verdade e querer impô-la aos outros, num mundo onde tudo muda e tudo se encobre por toda sorte de aparências, é uma grave espécie de loucura. Por isso as pessoas assim loucas não entendem o Evangelho dos padres. Lá diz que se dê a outra cara quando se tomar uma bofetada e lá também se parte para encher de porrada os vendilhões do templo. Qual é o certo? A cabeça coroca, a cabeça empedrada, a cabeça que não se aventurou por caminhos que abram outras entradas para ela, essa cabeça escolherá um dos dois jeitos e passará a condenar o outro jeito, inventando as razões mais estúpidas para que o outro jeito não valha nada. Isto porque não compreende que tanto se deve dar a outra cara quanto se deve partir para a porrada, porque a vida é assim, ali diz uma coisa, ali diz outra, a vida não é escrita em tabulinhas, nem suas ordenações são arrumadas como os homens loucos querem, a única coisa arrumada é a mentira, a qual é a explicação certinha. Ela via na cara dele o desapontamento por não receber respostas diretas, mas tentasse compreender que não podia dar respostas assim, havia coisas que dependiam da cabeça dele."
("Viva o Povo Brasileiro" - pag. 524/525 - João Ubaldo Ribeiro)

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