Thursday, May 24, 2012

a ética das pequenas coisas

faz um bocado de tempo que eu não escrevo nada nesse blog. quando posto alguma coisa, é de outrem. é que a vida anda corrida. tá bem boa, mas tá corrida. tão corrida que sobra pouco tempo pra pensar muito nas pequenas coisas e menos ainda pra escrever sobre elas aqui.
mas hoje de manhã me deparei com um post de uma pessoa que nem conheço bem no facebook, e me deu coceira de escrever. no post ela falava, de forma um tanto embolada e num jargão psi, algo que já tenho observado intuitivamente há tempos - ninguém tem mais escuta pra dor e tristeza.
assim, a gente já sabe que agora todo mundo toma remédio para qualquer coisa que perturbe minimamente sua vida emocional. mas tem também esse outro lado que é o do mundo e de quem está em volta. ou seja, não é apenas o próprio sujeito que tem tão pouca tolerância à dor, todo mundo à sua volta também. então é um tal de "não fica assim não", "vai passar", "vida que segue", "deixa pra lá", "entuba". as pessoas ficam incomodadas e desconfortáveis se alguém próximo está sofrendo e só o que sabem dizer é esse bando de besteiras.
licença aí meu povo, que eu quero passar com a minha dor!
mas nem era disso exatamente que eu queria falar. isso quem fala, com outras palavras, é a tal conhecida que postou no facebook.
o que eu fiquei matutando na minha cabeça são as implicações éticas disso tudo. é que quando a gente banaliza assim tanto o nosso sofrimento quanto o do outro, a empatia e a compaixão enquanto bússolas para uma conduta moral e ética, perdem sua força e sentido. afinal, se nada é tão importante e nem deve fazer sofrer muito, então tudo (ou quase tudo) é permitido.
tem uma amiga muito querida, talvez das poucas leitoras desse blog tão singelo e das pequenas coisas, que está sofrendo um bocado e passando por um momento muito difícil na vida. eu tenho tentado ajudar como posso e nesse processo descobri que a coisa mais preciosa que posso fazer por ela agora é sofrer junto com ela um pouco que seja. não estou falando de entrar na fossa só por solidariedade. estou falando de coisas mais singelas e prosaicas como a tal da empatia e da compaixão. poder virar pra ela e dizer - seu sofrimento é legítimo e justo, minha amiga! só de te ouvir e imaginar como dói, já dói um pouco em mim e me faz ter mais respeito e consideração pela sua dor. acima de tudo, me faz pensar que por mais que façamos cagadas na vida e machuquemos um ou outro, mesmo sem querer (e isso acontece! e isso é inevitável!), é nosso dever ético tentar não fazê-lo pelo simples fato de que sabemos o que é a dor, nossa e dos outros, e sabemos o que dói, em nós e nos outros.
e é assim a minha versão da ética das pequenas coisas.

Wednesday, May 9, 2012

Soneto do Desmantelo Azul

Esse veio através de uma nova colega de trabalho. Uma lindeza...
 
Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori, as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul  também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

Carlos Pena Filho