Friday, December 16, 2011

paixão segundo GH

"...E não me esquecer, ao começar o trabalho, de me preparar para errar. Não esquecer que o erro muitas vezes se havia tornado o meu caminho. Todas as vezes em que não dava certo o que pensava ou sentia é que se fazia, enfim, uma brecha, e, se antes eu tivesse tido coragem, já teria entrado por ela. Mas eu sempre tivera medo do delírio e erro.

Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma verdade: pois só quando erro é que saio do que entendo.

Se a “verdade” fosse aquilo que posso entender, terminaria sendo apenas uma verdade pequena, do meu tamanho." (clarice lispector)

Thursday, November 17, 2011

prece irlandesa

“Que os anjos iluminem o seu caminho!
Que a estrada se abra à sua frente.
Que o vento sopre levemente às suas costas.
Que o sol brilhe morno e suave em sua face.
Que a chuva caia de mansinho em seus campos e,
até que nos encontremos de novo, que Deus lhe guarde na palma de suas mãos”.

Tuesday, November 15, 2011

Cora coralina

Das pedras

Ajuntei todas as pedras
Que vieram sobre mim
Levantei uma escada muito alta
E no ato subi
Teci um tapete floreado
E no sonho me perdi
Uma estrada,
Um leito,
Uma casa,
Um companheiro,
Tudo de pedra
Entre pedras
Cresceu a minha poesia
Minha vida...
Quebrando pedras
E plantando flores
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude dos meus versos

Saturday, November 5, 2011

pérola de sabedoria

quem dorme com os cães, acorda com as pulgas.

Wednesday, November 2, 2011

dia lindo hoje no rio de janeiro

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

Fernando Pessoa

Sunday, October 30, 2011

Humildade

"Humildade é o silêncio perpétuo do coração. É estar sem problemas. É nunca estar descontente, contrariado, irritado ou ofendido. É não me surpreender com qualquer coisa feita contra mim, mas sentir que nada é feito contra mim. Significa que, quando eu for repreendido ou desprezado, eu tenho um lar abençoado dentro de mim onde eu posso entrar, fechar a porta, ajoelhar-me em frente do meu Pai em segredo e estar em paz como num profundo mar de calmaria, quando tudo ao meu redor está aparentando agitação."

Saturday, October 22, 2011

Leitura

"Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera."

Adélia Prado

Sunday, October 2, 2011

no exercício do desapego

“E de novo acredito que nada do que é importante se perde
verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas,
dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei,
todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se
apagaram. Não perdi nada -, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu
para sempre”
Miguel Sousa Tavares - Equador

Tuesday, September 20, 2011

a vida é dura

saí com um bunitinho uma vez que, contando de um período particularmente difícil da sua vida, disse que parecia que tava num corredor polonês.
fiquei com essa metáfora na cabeça.
é mais ou menos assim que tenho me sentido nos últimos tempos.

Thursday, September 8, 2011

roda mundo

e a roda da vida realmente começou a girar.
dá um medinho, mas é bom.
melhor coisa é não resistir muito e seguir o fluxo.
e tenho dito.

Saturday, August 27, 2011

os rins e as vontades

como eu tô nesse momento medicina chinesa total, aí vai a tradução, feita por mimzinha, de um trecho de um livro chamado "the web that has no weaver".

" 'Os Rins armazenam a Vontade.' Os Rins estão associados com ambos aspectos da Vontade. A Vontade Yang, as afirmações enérgicas que dão forma ao curso das décadas, pertencem a ela. As grandes viradas, os esforços decisivos, e os compromissos fundamentais que permitem a pessoa assumir responsabilidade por sua própria vida são criações da volição da Vontade Yang. A Vontade Yang é o mais dinâmico aspecto assertivo da pessoa, o máximo do Fogo.
A Vontade Yin é o outro lado da Vontade. É o encontro mais profundo com o destino final e inexorável que já existe escondido na semente indiferenciada. É o reconhecimento de que a força mais profunda não necessita esforço. A Vontade Yin é elusiva, quase intangível. É notada na quietude. Tem uma qualidade de mistério irredutível. A Vontade Yin fala do inevitável, da direção para a qual cada um de nós nos movemos e que só pode ser vista quando olhamos para trás e percebemos o quanto nos desenvolvemos ao longo do tempo. Fala de fatalidade e destino. Fala do desconhecido e da morte.
O reconhecimento da Vontade Yin permite que se desenvolva a virtude da Sabedoria. Essa Sabedoria não quer dizer saber coisas. Na verdade, tem mais a ver com estar profundamente conectado ao desconhecido. A Sabedoria é o reconhecimento de que a vida é o entrelaçamento do conhecido com o desconhecido. Sabemos que ela envolve a morte; mas sabemos também que ela envolve o desconhecido. A Sabedoria é o reconhecimento de um saber profundo que se infude à vida. Em última análise a Vontade Yang precisa aceitar a Vontade Yin para que a Essência possa dar o fruto da Sabedoria. A resolução precisa reconhecer o inevitável; a certeza precisa se curvar diante do desconhecido. A idade geralmente enfraquece o aspecto físico da Essência, mas a maturidade é o ingrediente necessário para que a dimensão espiritual da Essência possa brotar. A Essência se reflete na Sabedoria adquirida através de uma vida de reflexão.
Obviamente, um médico Oriental não pode e não deve dar Sabedoria a uma pessoa. Cada pessoa precisa achar a sua própria (talvez com a ajuda de figuras religiosas, família, amigos, professores, poetas ou filósofos). O médico Oriental pode, entretanto, fortalecer a Vontade do Rim. Quando a Vontade não está intacta, a pessoa pode ter um medo ou pavor incontrolável da morte, ansiedade existencial, ou inabilidade de sentir o encanto de envelhecer. Medo e Sabedoria compartilham uma energia parecida - ambos são um encontro do desconhecido. Medo, entretanto, não pode abraçar o desconhecido com confiança; medo não pode reconhecer a inevitabilidade do desconhecido. Sabedoria, por outro lado, reconhece a profunda verdade e tranquilidade do desconhecido. Quando um médico do Leste Asiático tem sucesso em ajudar a nutrir a Essência, o paciente irá receber apoio para reivindicar uma parte da sua própria Sabedoria. Quando a Essência floresce, a Sabedoria pode se manter."

Tuesday, August 2, 2011

poeminha pro meu momento árvore

Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:
um abridor de amanhecer
um prego que farfalha
um encolhedor de rios – e
um esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada). Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?)

Manoel de Barros

Saturday, July 9, 2011

epifanias

O PRESENTE DOS MAGOS
O PRESENTE E OS MAGOS


"Se não souberes esperar, não encontrarás o inesperado, pois é inencontradiço e de difícil acesso" (Heráclito, Fr. 18)

Para a maioria de nós, a Epifania, ou o Dia de Reis evoca o momento no qual os Magos visitam o Menino Jesus, oferecendo-lhe, cada um, um presente.

A meditação que segue quer pensar este presente e este presentear, para tentar talvez resgatar algo que ficou soterrado sob a avalanche da troca quase compulsiva de objetos na qual se transformou o nosso hábito de dar presentes no Natal.

Em sua etimologia, a palavra "Epifania" nos fala de um vir à luz, de um aparecer que ao aparecer se mostra no brilho da aparência (phainein: revelar, mostrar; phainestai: aparecer, e, no ato de aparecer mostrar-se, revelar-se no brilho da aparência, e o prefixo grego epi: sobre, a; indica um subir, uma elevação). A palavra "Epifania" nos fala, portanto, do brilhar de uma Luz que se des-cobre a nós. Esta eclosão da Luz, este brilhar-para, acontece em um momento que não provém de uma decisão nossa, mas de uma atenção nossa.

“E sucedeu que a estrela - que tinham visto no Oriente - os precedia, até que chegando sobre o lugar onde se achava o Menino, parou. Vendo (novamente) a estrela, sentiram uma grandíssima alegria. Entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe, e prostrados Lhe prestaram homenagens, A seguir, abrindo os seus cofres, ofereceram-Lhe de presente ouro, incenso e mirra”(Mateus 2, 9-12).

Os Magos são os sábios, na compreensão arcaica da palavra: aqueles que discerniam os sinais do tempo, que liam a fala oracular do Cosmos. Os Magos são aqueles que estão atentos, receptivos e abertos ao relampejar do inesperado no comum e cotidiano. Lêem o sinal nos céus e empreendem a longa viagem, atravessando o deserto na fidelidade à estrela. E quando a estrela pára e se detém sobre a casa onde há uma criança e uma mãe, esta cena aparentemente tão comum, o coração de cada um deles é habitado por uma grande alegria: estando verdadeiramente presentes, podem receber a Presença que se mostra a nós a cada instante como dom, como presente do presente.

Assim, repensando o Fragmento de Heráclito que citamos no início de nossa reflexão, podemos dizer que o inesperado presenteia quem sabe esperar.

O presente do Mago, do sábio, é a própria sabedoria no seu sentido verdadeiro: a possibilidade de acolhermos a presença do momento presente. Estar presente é estar acordado, no sentido de desperto e atento, e também no sentido musical de estar afinado, sintonizado com a Presença que se presenteia enquanto inesperado, porque não somos nós que controlamos o Tempo, mas este que se dá a nós. Luz e sombra. Ganho e perda. Silêncio. Palavra. Todos, presentes do Tempo.

Dizemos: estou esperando um bebê. Aqui, a espera é acompanhamento amoroso de um processo em gestação, de um ser que se dará à Luz.

Saber esperar é abrir-se para a revelação do mundo enquanto Epifania, luminosidade que se manifesta no mais comum e cotidiano a uma consciência que a albergue. Neste momento, o Mago nos visita, nos habita. O presente dos Magos, é a aceitação e o reconhecimento da manifestação do sagrado no presente.

Mas esta Presença sempre presente só a podemos receber quando abrimos mãos de nossa pre-ocupação. Quando renunciamos à cobrança do passado e à ansiedade com o futuro. Então livres, porque desapegados, nos encontramos na ambiência da manjedoura, na plenitude do simples.

Saber esperar é também acolher o fato de que não é sempre que o presente dos Magos nos presenteia, porque nem sempre podemos acolher: tal é a nossa condição. Assim, os Magos nos visitam e se vão. Retornar a errância na fidelidade a uma estrela é sempre e novamente fazer a experiência da falta, da busca, e da esperança. Quando aprendemos novamente a aceitar e amar a própria viagem, novamente a estrela ilumina o que sempre esteve e está Aqui.

Tuesday, June 21, 2011

cinismo

detesto gente cínica. taí um defeito que eu não perdôo.

Monday, May 16, 2011

4.0

agora sou uma quarentona. ou, parafraseando uma amiga, uma quarentaça!!

Sunday, May 1, 2011

o tal do compromisso

"A maior ironia de assumir um compromisso é isto ser algo extremamente libertador - seja no trabalho, no lazer ou no amor. Tomar esta atitude liberta você do jugo da autocrítica, do medo que gosta de se disfarçar e desfilar como se fosse hesitação racional. Comprometer-se com algo é fazer com que sua cabeça deixe de ser um obstáculo na sua vida." ANNE MORRIS

Sunday, April 24, 2011

outra pergunta que não quer calar

porque certas pessoas acreditam que se elas vierem te falar o que você obviamente já sabe, elas estão de alguma forma "te ajudando"? será que passa pela cabeça delas que se você está com um problema sério e absolutamente óbvio para todos, você só não resolveu aquele problema porque ninguém veio te falar que ele existe?

Saturday, April 9, 2011

mera coincidência?

engraçado como as pessoas que dizem que você não aceita críticas são aquelas que mais querem dar pitaco na sua vida.

Sunday, March 20, 2011

Sou eu

Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio! ...

Álvaro de Campos

O homem mais feliz do mundo

"Houve uma vez um jovem que era muito inquieto. Ele viajava de um vilarejo a outro, esperando encontrar um mestre que lhe ensinasse algo de valor. As pessoas o viam se deslocar de um lugar para outro e o tratavam com generosidade, porque era um jovem bondoso e muito bem-educado. Certo dia, ele encontrou um mestre que era considerado muito sábio.
O jovem disse a ele: 'Sou muito inquieto e não consigo parar de correr de um lugar para outro. É desse jeito que sou, e as pessoas acham isso estranho. Gostaria de poder ser feliz e de poder me assentar.' O sábio escutou o jovem, pensou um pouco e disse: 'Compreendo sua condição e posso ajudá-lo. Mas, se quer que eu seja de alguma ajuda, não pode questionar o remédio que vou receitar.''Ó sábio mestre', replicou, 'naturalmente não vou questionar suas ordens. Vou segui-las à risca, mesmo que isso signifique que não farei nada mais pelo resto dos meus dias.'
O sábio então disse: 'Você precisa se entregar à estrada e viajar por toda parte. Nas suas viagens deve procurar o homem mais feliz do mundo. Quando encontrá-lo, você deve pedir a camisa dele.' Parecia um tratamento incomum, mas o jovem se comprometera a fazer o que fosse pedido, portanto se despediu do sábio e se entregou à estrada.
Viajou para o norte, viajou para o sul, para o leste e para oeste e conheceu todo tipo de gente. Alguns eram ricos, outros eram pobres. Alguns eram corajosos e outros, covardes. E perguntou a todos se sabiam onde poderia encontrar o homem mais feliz do mundo.
O jovem recebeu muitas respostas. Algumas pessoas disseram: 'Sou muito feliz, mas há alguém mais feliz do que eu do outro lado da colina'. E outras disseram: 'Deixe-nos em paz ou lhe daremos uma surra.' O jovem procurou por todo o seu reino e viajou para o reino vizinho, e depois para outro. Os dias se tornaram semanas e as semanas se tornaram meses, e depois anos. Ele não descansou por um só momento. Até que um dia, exausto devido à busca, parou para descansar sob uma árvore à beira de uma grande floresta e tirou os sapatos.
Enquanto estava ali sentado, escutou uma gargalhada. Era tão alta que os pássaros não pousavam, mas ficavam voando em círculos. E ela era tão trovejante que fazia as folhas caírem das árvores. Qualquer outra pessoa teria se chocado com o som, mas o jovem - que a essa altura já não era tão jovem - ficou muito empolgado. Calçou novamente os sapatos e seguiu o som da gargalhada.
A floresta era densa e escura. Também seria silenciosa, não fosse pelo estrondoso som da gargalhada vindo ao longe. O homem seguiu o som e, logo, chegou a um lago. No lago havia uma ilha e, na ilha, uma casinha. A gargalhada parecia estar vindo da casa. O homem não encontrou nenhum barco, então pulou na água e nadou até a ilha.
Encharcado e congelado, ele foi até a casa e bateu à porta. Não houve resposta, mas a gargalhada não parou. Então, reunindo toda a sua coragem, o homem abriu a porta. Lá dentro, sobre um tapete, estava sentado um velho. Usava na cabeça um grande turbante, da cor de morangos. Estava rindo tão efusivamente que as lágrimas rolavam pelo seu rosto. O buscador avançou silenciosamente até chegar junto à borda do tapete. Então disse bem baixinho: 'Perdão, Mestre, mas sou de um reino muito distante e fui enviado para encontrar o homem mais feliz do mundo. O senhor me parece incrivelmente feliz. Por favor, diga-me, há alguém mais feliz do que o senhor?'
O homem sorridente tirou um lenço da manga e assoou o nariz. 'Sou muito feliz', disse, gargalhando de novo, 'e posso dizer que certamente não conheço ninguém tão feliz quanto eu. Hahahahahaha!''Então, senhor, posso lhe pedir um favor?''Sim. Qual?''Poderia tirar sua camisa e dá-la a mim?'
Ao ouvir isso o velho gargalhou e gargalhou, e gargalhou e gargalhou. Riu tanto que todos os animais da floresta gritaram de medo. 'Meu rapaz, se tivesse se dado ao trabalho de olhar pra mim', respondeu o sábio, chorando de tanto rir, 'teria visto que não estou usando nenhuma camisa.'
Os olhos do jovem se arregalaram quando percebeu que isso era verdade. Estava prestes a dizer algo, mas o sábio estava desenrolando o seu turbante. Desfez volta por volta, deitando o tecido vermelho sobre o tapete. Somente quando chegou ao fim foi que o homem percebeu a verdade: o sábio não era outro senão aquele mestre que o enviara na sua busca.
'Diga-me, ó Mestre', indagou o jovem, 'por que não me informou que era o homem mais feliz do mundo desde o início? Teria me economizado um bocado de tempo e incômodo.''Porque', respondeu o sábio, 'para que você pudesse se acalmar, precisava experimentar certas coisas, ver outras coisas e conhecer várias pessoas. Eu sabia que isso seria um processo longo, mas, se eu lhe dissesse no começo o que ele envolveria, você teria fugido e nunca teria sido curado.'"
(pg. 359-362, in Nas noites árabes - uma caravana de histórias, por Tahir Shah)

Thursday, March 17, 2011

aqui no marrocos

"É que aqui no Marrocos nós solucionamos as coisas. Nós ouvimos, nós observamos. Mas, no seu país, vocês fazem o contrário. Esperam que tudo seja resolvido para vocês, entregue de bandeja. Vocês esperam que outras pessoas usem seu cérebro para que não tenham que usar seu próprio cérebro. Na sua sociedade, as pessoas são preguiçosas. Elas querem tudo agora, tudo de graça."
(pag 205, in Nas noites árabes - uma caravana de histórias, Tahir Shah)

Sunday, March 13, 2011

adoro esse conto

Ele me bebeu

É. Aconteceu mesmo.

Serjoca era maquilador de mulheres. Mas não queria nada com mulheres. Queria homens.

E maquilava Aurélia Nascimento. Aurélia era bonita e, maquilada, ficava deslumbrante. Era loura, usava peruca e cílios postiços. Ficaram amigos. Saíam juntos, essa coisa de ir jantar em boates.

Todas as vezes que Aurélia queria ficar linda ligava para Serjoca. Serjoca também era bonito. Era magro e alto.

E assim corriam as coisas. Um telefonema e marcavam encontro. Ela se vestia bem, era caprichada. Usava lentes de contato. E seios postiços. Mas os seus mesmos era lindos, pontudos. Só usava os postiços porque tinha pouco busto. Sua boca era um botão de vermelha rosa. E os dentes grandes, brancos.

Um dia, às seis horas da tarde, na hora do pior trânsito, Aurélia e Serjoca estavam em pé junto do Copacabana Palace e esperavam inutilmente um táxi. Serjoca, de cansaço, encostara-se numa árvore. Aurélia impaciente. Sugeriu que dessem ao porteiro dez cruzeiros para que ele lhes arranjasse uma condução. Serjoca negou: era duro para soltar dinheiro.

Eram quase sete horas. Escurecia. O que fazer?

Perto deles estava Affonso Carvalho. Industrial de metalurgia. Esperava o seu Mercedes com chofer. Fazia calor, o carro era refrigerado, tinha telefone e geladeira. Affonso fizera quarenta anos no dia anterior.

Viu a impaciência de Aurélia que batia com os pés na calçada. Interessante essa mulher, pensou Affonso. E quer carro. Dirigiu-se a ela:

- A senhorita está achando dificuldade de condução?

- Estou aqui desde as seis horas e nada de um táxi passar e nos pegar! Já não agüento mais.

- Meu chofer vem daqui a pouco, disse Affonso. Posso levá-los a alguma parte?

- Eu lhe agradeceria muito, inclusive porque estou com dor no pé.

Mas não disse que tinha calos. Escondeu o defeito. Estava maquiladíssima e olhou com desejo o homem. Serjoca muito calado.

Afinal veio o chofer, desceu, abriu a porta do carro. Entraram os três. Ela na frente, ao lado do chofer, os dois atrás. Tirou discretamente o sapato e suspirou de alívio.

- Para onde vocês querem ir?

- Não temos propriamente destino, disse Aurélia cada vez mais acesa pela cara máscula de Affonso.

Ele disse:

- E se fôssemos ao Number One tomar um drinque?

- Eu adoraria, disse Aurélia. Você não gostaria, Serjoca?

- É claro, preciso de uma bebida forte.

Então foram para a boate, a essa hora quase vazia. E conversaram. Affonso falou de metalurgia. Os outros dois não entendiam nada. Mas fingiam entender. Era tedioso. Mas Affonso estava entusiasmado e, embaixo da mesa, encostou o pé no pé de Aurélia. Justo no pé que tinha calo. Ela correspondeu, excitada. Aí Affonso disse:

- E se fôssemos jantar na minha casa? Tenho hoje escargots e frango com trufas. Que tal?

- Estou esfaimada.

E Serjoca mudo. Estava também aceso por Affonso.

O apartamento era atapetado de branco e lá havia escultura de Bruno Giorgi. Sentaram-se, tomaram outro drinque e foram para a sala de jantar. Mesa de jacarandá. Garçom servindo à esquerda. Serjoca não sabia comer escargots e atrapalhou-se todo com os talheres especiais. Não gostou. Mas Aurélia gostou muito, se bem que tivesse medo de ter hálito de alho. Mas beberam champanha francesa durante o jantar todo. Ninguém quis sobremesa, queriam apenas café.

E foram para a sala. Aí Serjoca se animou. E começou a falar que não acabava mais. Lançava olhos lânguidos para o industrial. Este ficou espantado com a eloqüência do rapaz bonito. No dia seguinte telefonaria para Aurélia para lhe dizer: o Serjoca é um amor de pessoa.

E marcaram novo encontro. Destava vez num restaurante, o Albamar. Comeram ostras para comerçar. De novo Serjoca teve dificuldade de comer as ostras. Sou um errado, pensou.

mas antes de se encontrarem, Aurélia telefonou para Serjoca: precisava de maquilagem urgente. Ele foi à sua casa.

Então, enquanto era maquilada, pensou: Serjoca está me tirando o rosto.

A impressão era que ele apagava os seus traços: vazia, uma cara só de carne. Carne morena.

Sentiu mal-estar. Pediu licença e foi ao banheiro para se olhar ao espelho. Era isso mesmo que ela imaginara: Serjoca tinha anulado o seu rosto. Mesmo os ossos - e tinha uma ossatura espetacular - mesmo os ossos tinham desaparecido. Ele está me bebendo, pensou, ele vai me destruir. E é por causa do Affonso.

Voltou sem graça. No restaurante quase não falou. Affonso falava mais com Serjoca, mal olhava para Aurélia: estava interessado no rapaz.

Enfim, enfim acabou o almoço.

Serjoca marcou encontro com Affonso para de noite, Aurélia disse que não podia ir, estava cansada. Era mentira: não ia porque não tinha cara para mostrar.

Chegou em casa, tomou um banho de imersão com espuma, ficou pensando: daqui a pouco ele me tira o corpo também. O que fazer para recuperar o que fora seu? A sua individualidade?

Saiu da banheira pensativa. Enxugou-se com uma toalha enorme, vermelha. Sempre pensativa. Pesou-se na balança: estava com bom peso. Daí a pouco ele me tira também o peso, pensou.

Foi ao espelho. Olhou-se profundamente. Mas ela não era mais nada.

- Então - então de súbito deu uma bruta bofetada no lado esquerdo do rosto. Para se acordar. Ficou parada olhando-se. E, como se não bastasse, deu mais duas bofetadas na cara. Para encontrar-se.

E realmente aconteceu.

No espelho viu enfim um rosto humano, triste, delicado. Ela era Aurélia Nascimento. Acabara de nascer. Nas-ci-men-to.

(Clarice Lispector, in A via crucis do corpo)

Wednesday, January 26, 2011

saudade

não tem coisa mais triste do que de repente lembrar, assim, do nada, não sei bem como, do aniversário de alguém que já se foi.

Monday, January 17, 2011

ah sim, tivemos outro padrinho também...


a festa não seria completa sem o fábio...

ano novo


salve jorge! protegendo nosso balacobaco de ano novo...

estranha

ando estranha.
bebendo (álcool) pouquíssimo, e por falta de vontade mesmo.
e no sábado esqueci de jantar. tudo bem que almocei tarde, mas não foi muito e foi coisa leve.
o mais inédito pra mim é simplesmente esquecer de comer.
isso não faz o meu feitio mesmo...