Tuesday, October 30, 2007

gente chata

eu costumava até gostar da maria rita. minha mãe me deu o dvd dela e eu gostei (acho que mais da saia que ela usava do que qualquer outra coisa). quando alguém me disse que ela era meio que um embuste, não entendi.
agora ouvindo ela cantar na novela das oito, eu finalmente entendi a grande chata que ela é.
e acabei de incluir no saco a letícia spiller também. ela tá simplesmente insuportável fazendo papel de perua.

Sunday, October 28, 2007

achados e perdidos

estava mexendo numas coisas antigas e achei um postal que ganhei de uma amiga há muito tempo. era uma pessoa muito querida, super sensível, tradutora de mão cheia, e uma das muitas mães que encontrei por aí (sem desmerecer a minha, que eu amo muito. mas é que nunca fui mulher de uma mãe só). a amiga eu perdi pela vida afora, mas adorei encontrar o cartão novamente.
era a foto de uma casa espanhola, antiga e torta. e o que ela escreveu era tão delicado que me deu vontade de copiar aqui. assim, se eu perder o cartão de novo, não esqueço:

"Adoro esta casa que o cartão mostra, porque ela é bem como a gente, como as pessoas: está aí de pé desde o século XIII, toda tortinha e desengonçada, mas viva. Toda linda, avarandada, aconchegante. Mas linha horizontal e vertical (os eixos cartesianos...), nem pensar!"

e ao lado, ela ainda arranjou um jeito de espremer um poeminha do fernando pessoa que não podia ser mais apropriado ao meu momento:

"Segue teu caminho
Rega tuas plantas
Ama tuas rosas
O resto é sombra
de árvores alheias"

Friday, October 26, 2007

homeopatia

meu homeopata trocou meu remédio de novo. e avisou - este aqui vai te deixar doidinha.
dito e feito.
eu que tava aos prantos há dois dias atrás com o episódio do caldo entornado, ontem estava toda serelepe, tendo ataques de riso lá no mofo com o bonitinho, a cumadre e o R. ri tanto que doeu a barriga. riso fácil, daqueles de besteirol mesmo.
já havia feito tratamentos homeopáticos no passado, mas parece que com o passar dos anos fui ficando mais sensível. sensível ou não, tô gostando deste novo remédio. e o bonitinho também...

Thursday, October 25, 2007

defeito ou qualidade?

eu tenho uma coisa que eu não sei se é defeito ou qualidade. como regra de vida, tento ser compreensiva, compassiva e generosa. tento sempre me colocar no lugar do outro. quando a gente faz isso, as coisas diminuem de importância. tudo fica relativo e dá pra relevar uma porção de coisas.
o problema é que muitas vezes eu vou é acumulando frustrações. principalmente se o outro não faz a mesma coisa - ou seja, tentar ser compassivo e se colocar no meu lugar também. então vira uma coisa complicada e desequilibrada.
e eu vou enchendo o saco. o saco vai enchendo aos pouquinhos, devagarinho, mas enche.
um dia o caldo entorna. e quando entorna, entorna feio. não tem mais volta.
anteontem o caldo entornou. é a segunda vez que isso me acontece este ano (não com a mesma pessoa, é claro). e este caldo que entornou foi de anos e anos.
de qualquer forma, agora me sinto mais leve. só não queria ter que deixar as coisas chegarem a este ponto pra resolvê-las. isso é que não é legal...

Monday, October 22, 2007

santiago

no sábado fui ver Santiago, do João Moreira Salles. difícil descrever a emoção que senti. porque na hora não consegui entender bem porque fiquei tão emocionada. tive que digeri-lo um pouco até poder vir aqui falar sobre ele.
é que é um filme daqueles que tem várias "camadas". tem várias coisas diferentes acontecendo ali. tem aquela coisa cabeça, reflexiva, o João falando do fazer cinema e documentário. tem a figura bizarra que é o Santiago. e tem também a relação deles, a relação patrão-empregado, diretor-objeto de filmagem, etc, etc. mas isso tudo, e muito mais, eu tenho certeza de que foi analisado a fundo nas muitas, e boas, críticas que o filme recebeu.
o que me tocou mesmo no final das contas, foi esta coisa do Santiago viver à sombra de um mundo do qual nunca fez realmente parte. era assim trabalhando na mansão dos Moreira Salles, e era assim também com suas infinitas anotações sobre toda a nobreza da história universal.
pensei comigo - ele vivia vicáriamente. A. por sua vez, pensou - ele vivia a vida dos outros. lembrou então de sua tia, que nunca casou nem teve filhos, e viveu sua vida toda para a família.
daí eu pensei na minha vida. fiquei pensando se muitas vezes não é isso mesmo que eu faço - cuidar dos outros e viver das suas tristezas e alegrias.
tão difícil ser realmente protagonista da própria vida.

Sunday, October 21, 2007

argh!

hoje eu tô que não tô me aguentando. me sentindo feia, gorda, triste e insuportavelmente ansiosa.
meu único consolo é que isso é deprê com hora e data marcada, termina logo.
ainda assim, tá foda!!!!

escritinho Dela

já de algum um tempo este trecho me vem a cabeça. e o engraçado é que li isso há muitos anos, mas de alguma forma ele ficou em mim. e recentemente tenho me sentido meio assim, não sei bem porquê...

"Agora lúcida e calma, Lóri lembrou-se de que lera que os movimentos histéricos de um animal preso tinham como intenção libertar, por meio de um desses movimentos, a coisa ignorada que o estava prendendo - a ignorância do movimento único , exato e libertador era o que tornava um animal histérico: ele apelava para o descontrole - durante o sábio descontrole de Lóri ela tivera para si mesma agora as vantagens libertadoras vindas de sua vida mais primitiva e animal: apelara histericamente para tantos sentimentos contraditórios e violentos que o sentimento libertador terminara desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como, estava cansada do esforço de animal libertado."

Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

Thursday, October 18, 2007

macabéa

fui lá na tal taróloga e saí p... da vida. digamos que a mulher não acertou absolutamente nada de coisa nenhuma. e ainda falou tanta besteira que me deixou irritada.
fico impressionada com a cara de pau das pessoas, pois ela cobra uma grana pra isso.
apesar de tudo, ontem eu entendi uma coisa sobre esta história toda - ao invés de buscar respostas, tenho é que mudar a pergunta.
mas isso eu descobri na terapia mesmo.
enfim, de ontem pra hoje passei o dia todo ensaiando uma nova pergunta. impressionante a diferença que isso faz.

Tuesday, October 16, 2007

as cartas

amanhã vou numa taróloga.
tô meio nervosa. faz tanto tempo que não faço isso.
mas tô indo por um bom motivo. ou pelo menos o que eu considero um bom motivo, um motivo pra abrir o tarô, que é quando a gente tem perguntas pra dentro e não pra fora.

Saturday, October 13, 2007

vida e morte severina

vou ter que adiar a minha viagem porque a mãe de A. tá nas últimas.
ao mesmo tempo, D. está pra parir. e com toda a confusão que foi esta gravidez dela, estamos celebrando a chegada deste novo ser.
no meio disso tudo eu, como sempre, me peguei meditativa - tem sempre alguém morrendo e alguém nascendo, algo terminando e outra coisa começando. o novo e o velho se alternando nesta grande roda da viva.
pensar nestas coisas quase me dá esperança. é mais ou menos como no poema da adélia:
"Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera."

Monday, October 8, 2007

das cretinices da vida moderna

pois veio uma gringa ficar uns dias aqui há duas semanas. que ela era meio mala, eu já sabia, só não tinha noção do quanto. mas tudo bem, podia ser pior. já foi pior. mas não abro mão de ser hospitaleira sempre. coisa de quem já viajou bastante e que já foi muito bem recebida por completos estranhos. ou coisa de quem é filha de nordestino, que traz a hospitalidade no sangue.
mas nem é disso que eu quero falar.
é que a gringa era novinha. ou pelo menos foi esta a justificativa que achei pra bobice dela.
então uma das bobices dela, na qual ela resolveu me incluir, era um treco chamado facebook. o facebook é como o friendster, que é como o myspace, que é como o orkut. eu entrei em todos estes trecos. nem sei pra quê, mas entrei.
primeiro foi o friendster. o D. me chamou pra isso. me disse que assim eu podia me conectar com todos os meus amigos. mas como assim? eu tenho telefone, celular, email, endereço fixo, pra quê? acho que já tô bem conectada com todos, não?
entrei. mas pra entrar era um saco pois tinha que responder milhões de perguntas. só depois fui entender que isso era pra saberem quem sou e como sou. mas como assim? não são meus amigos? porque precisam entrar num treco assim pra saber quem e como eu sou?
enfim, fui me acostumando com a idéia e entrando na onda. dei uma caprichada no perfil, pra vender o meu peixe direitinho. porque descobri também que várias pessoas que não eram meus amigos também iam lá ver isso. e nesta brincadeira eu fui "achada" por vários carinhas. alguns eram totalmente exdrúxulos. imagine se eu vou aceitar "namorar" com um cara do egito, que nunca me viu, nunca falou comigo e que simplesmente viu minhas fotos e leu a porção de besteiras que escrevi no meu perfil. mas conheci um ou outro até interessantes (que moravam em los angeles, é claro). uns dois viraram até amigos.
depois veio o myspace e o orkut. putz, o orkut foi o pior de todos. a princípio parecia que era a mesma coisa que o friendster. só que o orkut virou brasileiro e daí é que danou-se tudo mesmo. pois se nos eua eu tinha só os amigos da universidade, de los angeles e de chicago, aqui tinha minha vida inteira de amigos, conhecidos, parentes, moço da banca de jornal, etc. então eu copiei tudo que tinha no meu perfil do friendster e botei no orkut. assim não tinha que escrever tudo de novo.
tenho que admitir que no início achei incrível poder encontrar pessoas que não via há anos. mas sinceramente? encontrei-as (ou elas me encontraram), elas entraram na minha lista de amigos e ficou por isso mesmo. ou seja, continuei sem vê-las, sem falar com elas. só que agora eu podia ir lá no perfil delas pra saber o que elas andavam fazendo. mas nem isso eu fiz. preguiça, sei lá (acho que se eu tinha perdido o contato com elas antes devia ter algum motivo né?).
o mais surreal foi quando outras pessoas, que nunca nem foram minhas amigas direito começaram a me adicionar na lista delas. e mais - me davam uma estrelinha. depois fui descobrir que era pra eu dar pra elas também, e elas terem uma porção de estrelinhas. e tinha também que ficar dando "nota" nas pessoas. talvez pra elas saberem "direitinho" o que você pensa delas?
ah, e tinha aquelas pessoas que eu acabava de conhecer na vida real e que saíam me adicionando no orkut. uma vez a coisa chegou ao cúmulo de eu entrar numa festa onde não conhecia ninguém além de quem me levou, e um cara aleatório sair dando papelzinhos pra todo mundo com o seu nome no orkut pra gente adicionar. recusei educadamente: estou satisfeita com meu número de estrelinhas, corações, gelinhos e carinhas sorridentes, obrigada.
mas não parou por aí. depois descobri que não devia deixar informações pessoais no tal scrapbook, pois tinha gente que ia lá olhar pra fazer maldade. apaguei tudo, pois nunca se sabe que tipo de informação pode ser usada para o mal, né?
se isso é mesmo verdade ou não, eu não sei. só sei que depois descobri que estavam me "espionando" ali. espionando não sei bem o quê: os meus amigos que nem são mais meus amigos? ou aqueles que nem nunca foram? ou então as comunidades das quais eu fazia parte?
só que esta história de comunidade eu também achei tão boboca que resolvi entrar numa porção de comunidade aleatória, com discussões inúteis, das quais eu nunca participava. bem, nunca, não. de vez em quando eu ia na comunidade dos cavaleiros que dizem ni e dizia: ni. pronto. não tá bom?
então eu resolvi espionar quem me espionou de volta. fui lá ver se tinha alguma coisa pra ver. mas até isso eu achei meio inútil. pois percebi que no fundo a gente não vê a pessoa ali, mas o que a pessoa quer que as pessoas vejam dela. nesta hora me toquei que eu tava ali fazendo a mesma coisa no meu perfil. meio deprê isso...
por isso enchi o saco total e "suicidei" o meu orkut. em breve descobri que um bando de amigo meu tava fazendo isso também.
agora vem esta gringa e me enfia neste facebook. em duas semanas eu já devo ter uns 6 amigos lá. não procurei ninguém, eles foram me achando. a cada dia recebo um email de alguém do além me chamando pra entrar no facebook dele/a.
hoje recebo o convite pra entrar no facebook de uma vizinha louca que eu tinha lá em los angeles (e que nada me tira da cabeça que me dava mole embora ela fizesse questão de ficar falando de homem toda vez que me via). mas eu nunca nem falei muito com ela. porque inclusive fugia dela quando a via (a mulher era doida mesmo).
putz grila....eu mereço!!!!

amigo é coisa pra se guardar

ontem tava eu num aniversário de criança (fazendo não sei bem o quê, pois não tenho filho) e E. soltou mais uma de suas mini(minhas).
gostei tanto desta que resolvi trazer pra cá. dizia ela que a amizade é o pilar de todas as relações, que todas as outras são apenas variações deste mesmo tema.
assim, a amizade não é um sentimento menor, residual, apenas um adendo nas relações profundas e significativas que pautam nossa vida. pelo contrário, ela é o centro, a essência, o que dá o tom para todo o resto.
fiquei meditando sobre isso. entendi que quando ela disse "amigo", não era essa coisa de lista de orkut, que a pessoa tem pra lá de 100, 200, 500, sei lá...era amigo mesmo, destes que você conta nos dedos.
E. foi mais adiante (este livro das mini(minhas) está engasgado na garganta dela, pedindo muito pra ser escrito). disse que se entendêssemos isso mesmo, todas as outras relações seriam melhores. pois as pessoas muitas vezes se acham no direito de fazer e exigir coisas num relacionamento amoroso ou familiar que não fariam ou exigiriam de um amigo. perdem o respeito, o limite, a consideração, porque, afinal de contas "no amor vale tudo"... será?
fiquei pensando no que me aconteceu no início do ano. me envolvi com uma pessoa que eu achei que fosse meu amigo. e com todas as voltas e re(voltas) que a história tomou, começo a pensar que amizade foi justo o que faltou nisso tudo. que ironia...
agora com J. eu tô descobrindo uma coisa nova. se no início estava buscando uma história de amor, com todos os gestos apaixonados clichês do cinema, o que tenho encontrado é acima de tudo um grande Amigo. mas Amigo mesmo, com letra maiúscula, e não o resto de quem tentou-se-apaixonar-e-não-conseguiu. no que isso vai dar eu não sei. mas mesmo com os altos e baixos, tô aprendendo, e muito, com esta história.

Saturday, October 6, 2007

ó vida...

se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
o que fazer?

Friday, October 5, 2007

tá chegando a hora

esta noite eu sonhei que já estava na espanha. e que A. tinha ido com a gente. só que eu chegava lá e nem sabia onde ia ficar. andava por madri e acabava de penetra numa festa numa casa antiga. meio doido, mas divertido.
de qualquer forma a ansiedade tá bem nítida pra mim - tenho que começar a me organizar direitinho pois já já tô chegando lá.

Da série "aprendendo a viver"

Ando cheia de lições de vida pra mim mesma ultimamente. Quem sabe um dia ainda escrevo um livro de auto-ajuda. Algo como as "Mini(minhas)" que a E. está coletando pra escrever o dela (aliás, não sei do livro, mas o título é ótimo)
A minha última pérola é: se você quer alguma coisa de alguém, ou está incomodado com algo, então tem que falar e falar na hora, com todas as letras (mas numa boa). Sem essa de que o outro tem que "se tocar", ou melhor "advinhar". Porque na maior parte das vezes não advinha não. Nem sabe decifrar indiretas (ainda mais se for homem).
Ficar engolindo sapo pra depois vomitar tudo de uma vez não é legal. Nem pra você e nem pro outro.
Segui o meu conselho pra mim mesma e o resultado foi melhor do que a encomenda.

Tuesday, October 2, 2007

Amor Líquido

É meio longo, mas não resisto...

"Para Ivan Klima, poucas coisas se parecem tanto com a morte quanto o amor realizado. Cada chegada de um dos dois é sempre única, mas também definitiva: não suporta a repetição, não permite recurso nem promete prorrogação. Deve sustentar-se 'por si mesmo' - e consegue. Cada um deles nasce, ou renasce, no próprio momento em que surge, sempre a partir do nada, da escuridão do não-ser sem passado nem futuro; começa sempre do começo, desnudando o caráter supérfluo das tramas passadas e a futilidade dos enredos futuros.
Nem o amor nem a morte pode-se penetrar duas vezes - menos ainda que no rio de Heráclito. Eles são, na verdade, suas próprias cabeças e seus próprios rabos, dispensando e descartando todos os outros.
Bonislaw Malinowski ironizava os difusionistas por confundirem coleções de museu com genealogias. Tendo visto toscos utensílios de pederneira expostos em estojos de vidro diante de instrumentos mais refinados, eles falavam de uma 'história das ferramentas'. Era, zombava Malinowski, como se um machado de pedra gerasse um outro, da mesma forma que, digamos, o hipparion deu origem, na plenitude do tempo, ao equus caballus. Os cavalos podem derivar de outros cavalos, mas as ferramentas não tem ancestralidade nem descendência. Diferentemente dos cavalos, não têm uma história própria. Pode-se dizer que elas pontuam as biografias individuais e as histórias coletivas dos seres humanos, das quais são emanações ou sedimentos.
Quase o mesmo se pode dizer do amor e da morte. Parentesco, afinidade, elos causais são traços da individualidade e/ou do convívio humano. O amor e a morte não têm história própria. São eventos que ocorrem no tempo humano - eventos distintos, não conectados (muito menos de modo causal) com eventos 'similares', a não ser na visão de instituições ávidas por identificar - (por inventar) - retrospectivamente essas conexões e compreender o incompreensível.
Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória - inexistente, embora ardentemente desejada - de evitar suas garras e ficar fora de seu caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão - mas não se tem a mínima idéia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido. Em nossas preocupações diárias, o amor e a morte aparecerão ab nihilo - a partir do nada. Evidentemente, todos nós tendemos a nos esforçar muito para extrair alguma experiência desse fato; tentamos estabelecer seus antecedentes, apresentar o princípio infalível de um post hoc como se fosse um propter hoc, construir uma linhagem que 'faça sentido' - e na maioria das vezes obtemos sucesso. Precisamos desse sucesso pelo conforto espiritual que ele nos traz: faz ressurgir, ainda que de forma circular, a fé na regularidade do mundo e na previsibilidade dos eventos, indispensável para a nossa saúde mental. Também evoca uma ilusão de sabedoria conquistada, de aprendizado, e sobretudo de uma sabedoria que se pode aprender, tal como aprendemos a usar os cânones da indução de J.S. Mill, a dirigir automóveis, a comer com pauzinhos em vez de garfos ou a produzir uma impressão favorável em nossos entrevistadores.
(...)
No Banquete de Platão, a profetisa Diotima de Mantinéia ressaltou para Sócrates, com a sincera aprovação deste, que 'o amor não se dirige ao belo, como você pensa; dirige-se à geração e ao nascimento no belo". Amar é querer 'gerar e procriar', e assim o amante 'busca e se ocupa em encontrar a coisa bela na qual possa gerar'. Em outras palavras, não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar na gênese dessas coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo.
Em todo amor há pelo menos dois seres, cada qual a grande incógnita na equação do outro. É isso que faz o amor parecer um capricho do destino - aquele futuro estranho e misterioso, impossível de ser descrito antecipadamente, que deve ser realizado ou protelado, acelerado ou interrompido. Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condições humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admitir a liberdade no ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o companheiro no amor. 'A satisfação no amor individual não pode ser atingida...sem a humildade, a coragem, a fé e a disciplina verdadeiras', afirma Erich Fromm - apenas para acrescentar adiante, com tristeza, que em 'uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista'.
E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a 'experiência amorosa' à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.
Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos."

(em Amor Líquido - sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zygmunt Bauman)